Polícia Federal aponta elo entre facção brasileira e
Hezbollah
Agência O Globo
Na região de fronteira que separa Brasil, Argentina e
Paraguai, a atuação de grupos ligados ao terrorismo internacional sempre foi,
para as autoridades americanas, um fato incontestável. No Brasil, pelo menos
oficialmente, o caso nunca foi admitido, e as declarações governamentais
costumam minimizar o tema. Nos últimos anos, no entanto, os serviços de
inteligência do país reuniram uma série de indícios de que traficantes de
origem libanesa ligados ao Hezbollah, o "Partido de Deus", se
aventuraram numa associação com criminosos brasileiros. Relatórios produzidos
pela Polícia Federal apontam que esses grupos se ligaram ao PCC, organização
criminosa que atua nos presídios brasileiros, principalmente nos de São Paulo.
Uma série de documentos obtidos pelo GLOBO revela que essa
espécie de sociedade da delinquência começou a ser montada em 2006. Mas as
provas só foram descobertas dois anos depois, quando uma operação realizada
pela PF reuniu os primeiros indícios da ligação entre libaneses e a organização
criminosa brasileira. Na época, envolvidos com o tráfico internacional foram
presos. Segundo as autoridades americanas, o dinheiro da droga é justamente uma
das fontes de financiamento de entidades terroristas. Já a PF encontrou
indícios de que esse grupo de libaneses que operava com o tráfico abriu canais
para o contrabando de armas destinadas à organização criminosa brasileira.
Em troca, os criminosos brasileiros prometiam dar proteção a
presos da quadrilha libanesa já detidos no Brasil. A notícia da associação
criminosa surgiu de informante da PF. A veracidade acabou sendo confirmada pela
área de inteligência, que monitorou não só os suspeitos sob investigação, como
também os integrantes da facção brasileira que comandavam ações mesm detidos em
presídios federais e estaduais em São Paulo e Paraná.
Segundo relatório da PF, "a concentração de tais
detentos vem auxiliando na aglutinação de indivíduos com interesses comuns,
além de viabilizar o contato de traficantes de origem árabe com grupos"
como a facção "com marcante presença nos estabelecimentos prisionais do
estado de São Paulo". O documento diz ainda que os contatos internacionais
dos traficantes libaneses "têm atendido aos interesses" da facção
brasileira, "que, por seu turno, viabiliza uma situação favorável aos
estrangeiros dentro do sistema prisional, além de assegurar algum lucro com
negociações mesmo enquanto estão presos".
A partir de investigações e conversas com informantes que
atuam na região da Tríplice Fronteira, o setor de inteligência da PF se
convenceu de que os traficantes libaneses não só abriram canais para a
organização criminosa obter armas no exterior, como teriam tido participação na
venda de explosivos supostamente roubados pela facção brasileira. Foi
identificada a participação dos traficantes libaneses na negociação de C4, um
tipo de explosivo plástico que fora roubado no Paraguai. "Os libaneses em
atividade criminosa, apesar de terem no tráfico de cocaína seu principal foco
de atividades, também atuariam no tráfico de armas para grupos criminosos de
São Paulo, sendo que, recentemente, também teriam intermediado uma negociação
de explosivos (aparentemente C4, sendo também sabido que um carregamento de tal
material foi subtraído no Paraguai e vem sendo vendido a preços bem
baixos)", diz o relatório.
A área de inteligência da PF registrou ainda a troca de
favores entre os dois grupos. Se os libaneses ajudavam no contrabando
internacional de armas, a organização brasileira se encarregava de proteger os
estrangeiros que já foram detidos no país. Diz documento da PF que "vários
libaneses estariam estreitando suas relações" com a facção brasileira há
cerca de três anos, "sendo qualificado como forte o vínculo com a referida
organização criminosa, sendo constantes seus contatos". "Sabe-se,
entretanto, que a ligação de libaneses estaria beneficiando mais a organização
criminosa (brasileira), com poucos benefícios para os estrangeiros, embora tal
situação venha sendo aceita por conveniências dentro do sistema
prisional", diz um documento da PF, produzido em 2009.
As informações sobre os vínculos entre as duas quadrilhas
foram compiladas depois que o governo americano passou a apontar em seus
relatórios anuais de combate ao narcotráfico a participação de libaneses da
Tríplice Fronteira ligados ao comércio ilegal de drogas e ao financiamento de
ações terroristas. Em 2006, relatório do Departamento do Tesouro americano
chegou a listar nove pessoas acusadas de ajudar a enviar recursos para o
Hezbollah. Além dos nomes, o relatório apontava que a Galeria Pagé, em Ciudad
del Leste, no Paraguai, vizinha da cidade brasileira de Foz do Iguaçu, era o
bunker dos agentes que davam suporte financeiro ao Hezbollah. Na época, o
governo brasileiro emitiu nota negando haver prova de que terroristas atuassem
na região do Sul do país. Nos anos seguintes, o DEA, a agência americana de
combate às drogas, reiterou a acusação.
Em 2008, dois anos após o primeiro relatório do Tesouro dos
EUA, os serviços de inteligência da PF já estavam apontados para a região. O
GLOBO teve acesso à parte do acervo produzido que lista prisões de libaneses,
identifica remessas de drogas e confirma a perigosa associação dos libaneses
com a facção criminosa de brasileiros. O trabalho de monitoramento incluiu
ainda missões para vigiar estrangeiros de origem libanesa que circulavam pelas
cidades de Foz, Ciudad del Leste e Porto Iguazu, na Argentina. Os documentos reúnem
desde listas de nomes e períodos de hospedagens em hotéis até registros de um
suposto risco de atentado terrorista no Brasil. No dia 28 de agosto de 2008,
relatório de inteligência assegura que recebeu informe de "fonte não
comprovada" de que um estrangeiro "integrante de uma organização
terrorista" estaria viajando para Brasília para executar plano de
assassinato. Há ainda a descrição de ações na Ponte da Amizade, na fronteira
entre Brasil e Paraguai. Em fevereiro de 2008, por exemplo, policiais pararam
um veículo em que estavam o libanês Mostapha Hamdan e o sírio naturalizado
paraguaio Farouk Sadek Abdou. Esse último, pouco antes de ser abordado tentou
destruir um papel onde havia 17 números de telefones.
Em abril do mesmo ano, mais uma vez a área de inteligência
disparou alerta. Desta vez, sobre atuação da facção criminosa brasileira no
Paraná. Havia suspeita de que armas contrabandeadas do Paraguai seriam usadas
no resgate do preso Leandro Antonio, conhecido como Chacal. As autoridades
locais foram alertadas, e a PF se encarregou de distribuir fotos e nomes dos
possíveis envolvidos na operação.
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